terça-feira, 19 de junho de 2012


PARA O MEU PAI,  

As pessoas tem me dito, pelo menos uma vez por dia : Sinto muito.
E minha resposta tem sido, eu também. Mas nem sei se essa resposta dá conta do tamanho da minha dor.  Também sinto muito,  vou sentir pela eternidade - qual a largura da eternidade ?
Meu vazio é tão grande que pouco posso falar sobre o que sinto. Não tem nome. Quando você estava doente , eu perguntava para quem já tinha perdido o pai o que eu ia sentir. Alguém me respondeu , um abismo. Talvez seja essa a melhor resposta. Ou a faxineira que me disse "meus pesos"talvez tenha sido a mais sábia .
Ao te ver doente, fraco, eu sentia um bisturi rasgando meu coração. Tinha dias que mal te olhava pois não aguentava de agonia .
Mas o que dói mesmo e não poder chamar seu nome , pai. Hoje ao entrar no carro fiquei chamado , pai, pai, para não esquecer o tom de voz que eu usava para te chamar. Era  noite, chovia e a cidade estava daquele jeito que você odiava. Claustrofóbica, cheia de carros aflitos , zonzos, iluminada pelo vermelho dos faróis , pelo negro da noite. Enquanto chamava seu nome, sozinha , dirigindo ,  me dei conta que nunca mais vou chamar ninguém de pai.
A palavra  pai é tão pequena , mas tem uma dimensão tão grande,  chega a ser impossível falar com clareza sobre que eu sinto simplesmente por não poder te chamar mais , é o tal abismo, Pai.
Meu pai. Meu pai está morto há quinze dias . Quinze dias longos. Que o oxigênio custa a chegar quando acordo - Pai não combina com morte. Como se acostuma a viver sem o maior apoio que já conheceu? É uma sensação permanente de estar mancando.Quinze dias em que meu filho aprendeu coisas novas que você não viu, pai. Quinze dias nos quais me lembrei , no primeiro minuto em que abri os olhos, que você não existe mais em nenhum lugar, além de minha memória.
Seu lugar na mesa está vazio. E seu armário está colorido com suas tantas camisas , mas dentro dele tem uma nuvem cinza , chamada saudade.  Suas roupas estão passadas ainda, nunca mais serão amassadas, estarão eternamente endurecidas pelo ferro . Adormecidas, imóveis .Para sempre...
A dor da perda inundou a nossa casa , pai. E você não viu. Não estava lá para nos proteger.
 Fui num velório e a menina chorou tanto quando viu o pai no caixão. E depois para enterrá-lo ela cantou a música italiana que ele tanto gostava. Jogou a coroa de flores com o nome da família dentro da cova , para ir junto com ele . Para aquele monte de terra ficar menos marrom, para tingir as moléculas de areia que junto com o caixão dele  iam se decompor , então se misturar com a terra do mundo todo, e a partir daí, o corpo dele era do universo , podia chegar até o deserto do saara, aquele mesmo grão de areia que por menor que fosse ainda era aquele homem. Aquele que ela chamava de pai.
Mas a menina era eu, o pai era você  e dessa vez eu não podia te contar essa cena triste- como sempre fiz com tudo o que já me tocou nessa vida. Dessa vez eu não podia  compartilhar com você  isso que vivi.E  senti um frio, um gelo . Uma ausência intensa, parecia um ferro cortando meu peito. Eu tenho feito tudo o que sempre fiz, pai. Tenho trabalhado, feito ginástica. Tenho lutado , como você faria. Esse exemplo está vivo dentro de mim. Essa parte de você é imortal. Sua garra, eu herdei.  Com ela que eu conto quando falta o ar , quando vejo minha mãe chorar . Quando não sei se vou suportar. Ou quando preciso escrever, só para desabafar.

#pai#saudade#perda#luto#garra#coragem#frio#paschoaldicierofilho

Um comentário:

  1. Belas palavras, Le... vc é especial! E que bom que consegue usar a ferramenta da escrita para diminuir, um pouquinho que seja, o abismo.

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