quarta-feira, 20 de junho de 2012

Parecia um ballet


Os enfermeiros corriam que nem loucos - roupa branca

Pressa em te colocar na maca

Você imóvel

Eu pensava : agora acabou .

De vez .

Silencio naquela madrugada

Escuridão entrando na minha casa

A maca dura em que você estava preso .

Dali em diante , você nunca mais ia deitar na sua cama macia .

E eu te olhava assustada

Tentava te pedir socorro .

Minha voz não saía .

No fundo estava conformada.

eu sabia que seria irreversível

Daquele dia em diante não ouviria mais sua voz

Nem ia te ver sorrir quando eu entrasse em casa.

Toda vez que abrisse aquela porta seria recebida pelo escuro da sua ausência .

Dali em diante tudo estaria calmo

Cinza

Sereno

Mas por dentro seria roxo .

Por que a dor sangra tanto

Parece sangue pisado

Sangue que não coagula

Sangue que não circula mais .

terça-feira, 19 de junho de 2012


PARA O MEU PAI,  

As pessoas tem me dito, pelo menos uma vez por dia : Sinto muito.
E minha resposta tem sido, eu também. Mas nem sei se essa resposta dá conta do tamanho da minha dor.  Também sinto muito,  vou sentir pela eternidade - qual a largura da eternidade ?
Meu vazio é tão grande que pouco posso falar sobre o que sinto. Não tem nome. Quando você estava doente , eu perguntava para quem já tinha perdido o pai o que eu ia sentir. Alguém me respondeu , um abismo. Talvez seja essa a melhor resposta. Ou a faxineira que me disse "meus pesos"talvez tenha sido a mais sábia .
Ao te ver doente, fraco, eu sentia um bisturi rasgando meu coração. Tinha dias que mal te olhava pois não aguentava de agonia .
Mas o que dói mesmo e não poder chamar seu nome , pai. Hoje ao entrar no carro fiquei chamado , pai, pai, para não esquecer o tom de voz que eu usava para te chamar. Era  noite, chovia e a cidade estava daquele jeito que você odiava. Claustrofóbica, cheia de carros aflitos , zonzos, iluminada pelo vermelho dos faróis , pelo negro da noite. Enquanto chamava seu nome, sozinha , dirigindo ,  me dei conta que nunca mais vou chamar ninguém de pai.
A palavra  pai é tão pequena , mas tem uma dimensão tão grande,  chega a ser impossível falar com clareza sobre que eu sinto simplesmente por não poder te chamar mais , é o tal abismo, Pai.
Meu pai. Meu pai está morto há quinze dias . Quinze dias longos. Que o oxigênio custa a chegar quando acordo - Pai não combina com morte. Como se acostuma a viver sem o maior apoio que já conheceu? É uma sensação permanente de estar mancando.Quinze dias em que meu filho aprendeu coisas novas que você não viu, pai. Quinze dias nos quais me lembrei , no primeiro minuto em que abri os olhos, que você não existe mais em nenhum lugar, além de minha memória.
Seu lugar na mesa está vazio. E seu armário está colorido com suas tantas camisas , mas dentro dele tem uma nuvem cinza , chamada saudade.  Suas roupas estão passadas ainda, nunca mais serão amassadas, estarão eternamente endurecidas pelo ferro . Adormecidas, imóveis .Para sempre...
A dor da perda inundou a nossa casa , pai. E você não viu. Não estava lá para nos proteger.
 Fui num velório e a menina chorou tanto quando viu o pai no caixão. E depois para enterrá-lo ela cantou a música italiana que ele tanto gostava. Jogou a coroa de flores com o nome da família dentro da cova , para ir junto com ele . Para aquele monte de terra ficar menos marrom, para tingir as moléculas de areia que junto com o caixão dele  iam se decompor , então se misturar com a terra do mundo todo, e a partir daí, o corpo dele era do universo , podia chegar até o deserto do saara, aquele mesmo grão de areia que por menor que fosse ainda era aquele homem. Aquele que ela chamava de pai.
Mas a menina era eu, o pai era você  e dessa vez eu não podia te contar essa cena triste- como sempre fiz com tudo o que já me tocou nessa vida. Dessa vez eu não podia  compartilhar com você  isso que vivi.E  senti um frio, um gelo . Uma ausência intensa, parecia um ferro cortando meu peito. Eu tenho feito tudo o que sempre fiz, pai. Tenho trabalhado, feito ginástica. Tenho lutado , como você faria. Esse exemplo está vivo dentro de mim. Essa parte de você é imortal. Sua garra, eu herdei.  Com ela que eu conto quando falta o ar , quando vejo minha mãe chorar . Quando não sei se vou suportar. Ou quando preciso escrever, só para desabafar.

#pai#saudade#perda#luto#garra#coragem#frio#paschoaldicierofilho

sábado, 16 de junho de 2012

Muitos me pediram o discurso da missa de sétimo dia de meu pai.

 
Eu poderia passar dias falando sobre ele. Aliás, ser sua filha era algo que me dava muito orgulho. Gostava de responder: Sou filha do Paschoal. Meu pai era um homem simples, que veio do interior, tentar a sorte em São Paulo, numa carreira incerta na época. Era de uma pureza tão grande que toda sua sabedoria ficava despretensiosa- o que dava ás pessoas que o cercavam uma sensação de proximidade independente do nível social e intelectual. Perto dele as pessoas se sentiam amparadas, pois ele era genuinamente nobre. O que fez com que sua carreira passasse a ser mais que adequada. Nessa última semana, muitos vieram até mim para dizer: ‘ Seu pai mudou minha vida”. De fato, ele tinha essa capacidade. Era um homem discreto, mas de presença marcante. De sua boca vinham as palavras certeiras, capazes de mudar um olhar, arrumar outro significado para as vivencias. O que fez com que ele ajudasse muita gente não só como psicanalista, mas como amigo. E dessa sua característica eu vou sentir mais falta. Meu pai tinha alma de poeta. Era capaz de enxergar beleza até nos momentos mais tristes. Essa última lição ele me deu em sua derradeira semana de vida: Foi uma lição muda- já que ele não mais usava aquilo que tinha de mais forte: as palavras. Ele me mostrou que para ajudar-nos a superar esse momento tínhamos de contar com o amor de pessoas queridas- e isso tivemos de sobra. Amor cultivado por ele em seus pacientes, amigos e parentes respingava em mim no dia mais duro que eu tinha vivido até então. É com esse amor semeado por ele que eu e minha mãe fincaremos nossas raízes para continuarmos crescendo, depois de toda a tempestade que acometeu nossa casa.Segundo ele, amor quanto mais se dá mais se tem.Eu concordo, pai- e te agradeço por deixar-me essa herança tão valiosa. Nossa família sempre foi pequena e sempre fomos muito unidos. Essa união ajudou meu pai a superar seus diversos problemas de saúde, suas doenças assustavam os médicos tal como sua prontidão para se recuperar. E sua urgência em viver, aprender e conhecer tornavam suas inúmeras doenças banais. Pois o que ele tinha de mais saudável era sua vontade de estar vivo, por isso lutava. Meu pai tinha pressa de viver, por isso acabou alongando sua vida, a despeito de seus resultados de exames. Muitos o chamavam de Phoenix, pois sempre ressurgia das cinzas. Seu segredo era sua capacidade de sonhar, de usar as palavras para conduzir-lhe a outro mundo, o da escrita. Certa vez na UTI pediu caneta e papel para escrever um conto. Essa sua pressa em viver fazia com que ele valorizasse cada instante da vida, colorindo–os com suas emoções. E nos fazendo acreditar em sua capacidade de despertar, encantando a todos, admirando-nos tamanha sua prontidão e dignidade em encarar a vida. Talvez seu poema favorito falasse mais dele do que ele mesmo imaginava e é com ele que finalizo:


Motivo
Eu canto por que o instante existe, e minha vida está completa
Não sou alegre, nem triste: Sou poeta.
Irmão das coisas fugidas, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou edifico, se permaneço ou me desfaço,
 Não sei, não sei se fico ou se passo. Sei que canto. 
E a canção é tudo. Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia estarei mudo, mais nada.