domingo, 27 de dezembro de 2009


Seus dedos amassando a massa de pão se queijo, sujos de manteiga. Ainda hoje quando mexo na manteiga lembro -me da textura das suas mãos. Massa de polvilho preenchendo a tigela, sujando seu anel de brilhantes. A pressa em me agradar era tanta que você nem se lembrava de tirar o anel, tingindo-o de farinha em um instante. A voz da minha mãe ecoando pela cozinha :"Tira o anel , Marilda , o anel da mamãe. Para de mimar essa menina, você faz tudo que ela pede."
E você me olhava , como quem compartilha um segredo " Faço mesmo !". E eu lhe sorria pois juntas podíamos combater o mundo dos adultos.
Eu nunca te vi como adulta, Tia. Acho mesmo que você era uma criança grande. Talvez pela surdez que lhe acometeu a vida toda, fazendo com que você falasse aos oito anos apenas, você tenha ficado com alma infantil.
Pois você era danada , adorava desobedecer , assim como eu. E nos divertíamos em burlar as regras e criar um mundo só nosso, onde podíamos viajar no meio da sala de trem, usando as cadeiras da sala de jantar e um colchão em cima delas.
Com você tudo era possível, mesmo você tendo cinquenta e eu, menos de dez.
Assim é que gosto de me lembrar de você, Tia Uda. Seu amor por mim era de tamanha prontidão que se lhe pedisse que assasse um pão de queijo no meio da madrugada, você o fazia sem pestanejar.
Foi com você Tia , que entendi o que era doar-se a alguém por inteiro. Gosto mesmo de pensar que tive uma fada madrinha, ao seu lado fui Cinderella, fui uma princesa especial, fui a mais esperta de todas as crianças . Era assim que você me fazia sentir.
E mesmo no fim de seus dias , quando eu ia te ver, já adulta, bastava você me olhar para que eu me sentisse assim novamente. Amada, plenamente amada.
Fico tão aliviada quando me lembro que as últimas palavras que lhe disse foram eu te amo. Estava saindo do hospital , sabia que era seu último fim de semana, fechei a porta após me despedir. Voltei com pressa, a mesma pressa que você sempre teve em me atender e disse: "Eu te amo, Tia Uda". E você levantou a cabeça já tão frágil e magra pela doença , e me olhou com os mesmos olhos de quem contava um último segredo: "Eu também, Helena."
Hoje cedo, já em minha casa , com meu marido- que você não conheceu, fui limpar o porta manteiga e ao sentir a textura da manteiga em meus dedos comecei a chorar. Era como se encostasse na sua mão enquanto você amassava o pão de queijo na tigela.
E saí correndo para te escrever uma carta, para te agradecer por tudo isso.