sexta-feira, 27 de junho de 2014

primavera.


Eu passo pela sala e e escuto meu filho cantar a canção de nick Cave que venho cantando  constantemente no ultimo mês .
Tenho essa urgência de ouvir vinte vezes a mesma música quando apaixonada por uma letra , o que contamina a casa inteira . Na sua voz de criança escuto"intomiaaaam" e percebo que canta into my arms com a mesma  entonação que cantarolo no banho . Fico contente por ter plantado algo de mim nele . E me dou conta que estou ali representada naquela melodia . Em seguida penso : Toda vez que cantar essa música filho , estarei renascendo dentro de você .
Assim como cada vez que uma amiga conta uma história divertida do meu passado , renasce a menina que e fui . Gargalhamos juntas de tudo o que vivemos até hoje , lembrando de nossas tolices , como nos vestíamos , de toda a nossa tragetoria de vida, dos tropeços , foras e das aventuras da nossa mocidade . Despedimo-nos dessa memória geralmente com a fala " que tempo bom , que não volta nunca mais'.
Mas a verdade é que volta . Não do mesmo jeito , mas numa recordação viva dentro da gente :um lugar para se reencontrar e renascer . Todas as pessoas que já fui , ainda moram dentro de mim , bebe , depois criança , depois moça mulher , mãe .  Não foram abandonadas nesse processo :  São elas as testemunhas do meu crescimento , da passagem do tempo . Quando  visito  a moça que fui em minhas memórias, me revitalizo , me sinto novamente cheia de vigor e volto para minha rotina me sentindo recheada pelas minhas experiências .
O tempo circunda e limita nossa vida. Não há como negar  , é observando o crescimento de nossos filhos que nos damos conta da velocidade em que tudo ocorre . Por vezes , aquele  que tenta ignorar a passagem do tempo , buscando ter sempre o mesmo rosto  torna-se estranho e até assustador , tal qual Dorian Grey de Oscar Wilde ou esses esternos adolescentes de cinquenta anos com o rosto inflexível pelas plásticas .
Não há como fugir , na linha da temporalidade que nos movimentamos .
Na luta pela sobrevivência o renascimento se faz absoluto e necessário . Assim como as plantas que para sobreviverem adaptam se á novas temperaturas , transformam-se , criam novas condições . Adaptar se é preciso para que possamos lidar com as perdas inerentes da condição humana . É renascendo que criamos condições e recursos para nossa evolução . São essas nossas ferramentas de luta . Palavra esta que lembra uma outra : luto .
Já dizia senhor Freud " somos constituídos por uma série de lutos " , não há como seguir na vida sem acumular  perdas , lutos . Perda de lugares , papéis . A filha que fui agora é mãe . E minha mãe renasce no carinho que tenho com meu filho, foi ela meu modelo.
Acho que é por isso que no aniversário costumam perguntar : quantas primaveras ? Ou seja : quantas vezes você renasceu ?

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Só a bailarina que não tem




Uma das canções mais solitárias, em minha opinião, é a da Bailarina de Chico Buarque . Uma letra aparentemente inocente ,mas  profunda: Procurando bem , todo mundo tem bereba, marca de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga tem ameba – só a bailarina que não tem .
Vida dura a da bailarina, que vida pobre. O que será que se passa quando ela tira a maquiagem no camarim e vira apenas humana? Como é solitária a perfeição! Deve ser duro  viver apenas ás custas do palco. Exposto num lugar tão rígido , tão reduzido. Tão dificil depender  do olhar do outro e colocar isso como imperativo em nossa existência.
Procurando bem, todo mundo tem seus segredinhos. Curioso esse diminutivo que a gente coloca na palavra: O segredo vira segredinho. É como se a linguagem fizesse um carinho naquilo que está escondido, como se nós mesmos já suavizássemos esse lugar. É que muitas vezes eles andam abraçados no sentimento de culpa.
O segredo caminha junto com a gente nas ruas, de mãos dadas.  Sai pelos poros, pelo sorriso de lado e pulsa. Tem em si um pouco de travessura, teimosia, desobediência ; revela muito mais de mim do que minha pessoa funcional gostaria.
Nesse lugar secreto estamos nus.  São, nossa coxia, nossos bastidores , o concreto entre nossos tijolos. Algo que não fica muito aparente mas nos ajuda em nossa sustentação e construção de nossa história pessoal. Lá está nossa verdade, mesmo que ela seja imperfeita,  que não seja tão bela, politicamente correta, revele sentimentos hostis, agressivos, egoístas ,  mágoa , vergonha, tristeza, inveja, prazeres. Enfim, aquilo que sou em estado bruto, sem  lapidação social . Que tento esconder , mas em mim está entranhado -e toda vez que a censura sai para passear  aparece:  nos sonhos , nas ironias ou  quando tomamos um gole á mais.
Não é a toa que  o símbolo do segredo é a chave . A mesma que abre o coração : Revelar um segredo é dar um presente á alguém. Devemos ser generosos com os segredos que nos são compartilhados, a pessoa quando nos confia algo está nos selecionando, entre as outras, para oferecer algo precioso, exclusivo de sua intimidade. No dicionário Aurélio a palavra confiança está descrita como : esperança firme em alguém . Quando confio algo tenho a esperança de que minha história será acolhida cuidadosamente. Muitas vezes o que busco é apenas ser compreendida.
No meu ofício escuto muitos segredos: histórias, amores impossíveis, cicatrizes que não fecharam direito , ficaram escondidas. Confesso que por vezes os segredos que escuto se esbarram na minha história. E me ensinam algo. Muitas vezes  sobre o perdão.
Quando revelado, eventualmente, o segredo gera  cumplicidade e solidariedade . Ao  escutar a sua experiência me deparo com a minha. É uma chance de revisitar atitudes que já tivemos, de mudar um ponto de vista. Compartilhar, tem um efeito de alívio. Torno-me mais humana : “Então você também se sente assim?  Isso é normal? Ufa ! Não preciso ser perfeita!. Afinal: – Procurando bem todo mundo faz pecado, logo assim que a missa termina , todo mundo tem um primeiro namorado só a bailarina é que não tem
Aqui entre nós, ninguém passa pela vida sem cultivar um segredo e eles colorem nossa existência. Mas não conta para ninguém. ;)




Helena Cunha Di Ciero é psicanalista , membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo