Só a bailarina que não tem
Uma das canções mais solitárias,
em minha opinião, é a da Bailarina de Chico Buarque . Uma letra aparentemente
inocente ,mas profunda: Procurando bem , todo mundo tem bereba, marca
de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga tem ameba – só a bailarina que
não tem .
Vida dura a da bailarina, que vida
pobre. O que será que se passa quando ela tira a maquiagem no camarim e vira
apenas humana? Como é solitária a perfeição! Deve ser duro viver apenas
ás custas do palco. Exposto num lugar tão rígido , tão reduzido. Tão dificil
depender do olhar do outro e colocar isso como imperativo em nossa
existência.
Procurando bem, todo mundo tem
seus segredinhos. Curioso esse diminutivo que a gente coloca na palavra: O
segredo vira segredinho. É como se a linguagem fizesse um carinho naquilo que
está escondido, como se nós mesmos já suavizássemos esse lugar. É que muitas
vezes eles andam abraçados no sentimento de culpa.
O segredo caminha junto com a
gente nas ruas, de mãos dadas. Sai pelos poros, pelo sorriso de lado e
pulsa. Tem em si um pouco de travessura, teimosia, desobediência ; revela muito
mais de mim do que minha pessoa funcional gostaria.
Nesse lugar secreto estamos nus.
São, nossa coxia, nossos bastidores , o concreto entre nossos tijolos.
Algo que não fica muito aparente mas nos ajuda em nossa sustentação e
construção de nossa história pessoal. Lá está nossa verdade, mesmo que ela seja
imperfeita, que não seja tão bela, politicamente correta, revele
sentimentos hostis, agressivos, egoístas , mágoa , vergonha, tristeza,
inveja, prazeres. Enfim, aquilo que sou em estado bruto, sem lapidação
social . Que tento esconder , mas em mim está entranhado -e toda vez que a
censura sai para passear aparece: nos sonhos , nas ironias ou
quando tomamos um gole á mais.
Não é a toa que o símbolo do
segredo é a chave . A mesma que abre o coração : Revelar um segredo é dar um
presente á alguém. Devemos ser generosos com os segredos que nos são
compartilhados, a pessoa quando nos confia algo está nos selecionando, entre as
outras, para oferecer algo precioso, exclusivo de sua intimidade. No dicionário
Aurélio a palavra confiança está descrita como : esperança firme em alguém .
Quando confio algo tenho a esperança de que minha história será acolhida
cuidadosamente. Muitas vezes o que busco é apenas ser compreendida.
No meu ofício escuto muitos
segredos: histórias, amores impossíveis, cicatrizes que não fecharam direito ,
ficaram escondidas. Confesso que por vezes os segredos que escuto se esbarram
na minha história. E me ensinam algo. Muitas vezes sobre o perdão.
Quando revelado, eventualmente, o
segredo gera cumplicidade e solidariedade . Ao escutar a sua
experiência me deparo com a minha. É uma chance de revisitar atitudes que já
tivemos, de mudar um ponto de vista. Compartilhar, tem um efeito de alívio.
Torno-me mais humana : “Então você também se sente assim? Isso é normal?
Ufa ! Não preciso ser perfeita!. Afinal: – Procurando bem todo mundo faz
pecado, logo assim que a missa termina , todo mundo tem um primeiro namorado só
a bailarina é que não tem
Aqui entre nós, ninguém passa pela
vida sem cultivar um segredo e eles colorem nossa existência. Mas não
conta para ninguém. ;)
Helena
Cunha Di Ciero é psicanalista , membro filiado da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo
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