quarta-feira, 25 de junho de 2014

Só a bailarina que não tem




Uma das canções mais solitárias, em minha opinião, é a da Bailarina de Chico Buarque . Uma letra aparentemente inocente ,mas  profunda: Procurando bem , todo mundo tem bereba, marca de bexiga ou vacina, e tem piriri, tem lombriga tem ameba – só a bailarina que não tem .
Vida dura a da bailarina, que vida pobre. O que será que se passa quando ela tira a maquiagem no camarim e vira apenas humana? Como é solitária a perfeição! Deve ser duro  viver apenas ás custas do palco. Exposto num lugar tão rígido , tão reduzido. Tão dificil depender  do olhar do outro e colocar isso como imperativo em nossa existência.
Procurando bem, todo mundo tem seus segredinhos. Curioso esse diminutivo que a gente coloca na palavra: O segredo vira segredinho. É como se a linguagem fizesse um carinho naquilo que está escondido, como se nós mesmos já suavizássemos esse lugar. É que muitas vezes eles andam abraçados no sentimento de culpa.
O segredo caminha junto com a gente nas ruas, de mãos dadas.  Sai pelos poros, pelo sorriso de lado e pulsa. Tem em si um pouco de travessura, teimosia, desobediência ; revela muito mais de mim do que minha pessoa funcional gostaria.
Nesse lugar secreto estamos nus.  São, nossa coxia, nossos bastidores , o concreto entre nossos tijolos. Algo que não fica muito aparente mas nos ajuda em nossa sustentação e construção de nossa história pessoal. Lá está nossa verdade, mesmo que ela seja imperfeita,  que não seja tão bela, politicamente correta, revele sentimentos hostis, agressivos, egoístas ,  mágoa , vergonha, tristeza, inveja, prazeres. Enfim, aquilo que sou em estado bruto, sem  lapidação social . Que tento esconder , mas em mim está entranhado -e toda vez que a censura sai para passear  aparece:  nos sonhos , nas ironias ou  quando tomamos um gole á mais.
Não é a toa que  o símbolo do segredo é a chave . A mesma que abre o coração : Revelar um segredo é dar um presente á alguém. Devemos ser generosos com os segredos que nos são compartilhados, a pessoa quando nos confia algo está nos selecionando, entre as outras, para oferecer algo precioso, exclusivo de sua intimidade. No dicionário Aurélio a palavra confiança está descrita como : esperança firme em alguém . Quando confio algo tenho a esperança de que minha história será acolhida cuidadosamente. Muitas vezes o que busco é apenas ser compreendida.
No meu ofício escuto muitos segredos: histórias, amores impossíveis, cicatrizes que não fecharam direito , ficaram escondidas. Confesso que por vezes os segredos que escuto se esbarram na minha história. E me ensinam algo. Muitas vezes  sobre o perdão.
Quando revelado, eventualmente, o segredo gera  cumplicidade e solidariedade . Ao  escutar a sua experiência me deparo com a minha. É uma chance de revisitar atitudes que já tivemos, de mudar um ponto de vista. Compartilhar, tem um efeito de alívio. Torno-me mais humana : “Então você também se sente assim?  Isso é normal? Ufa ! Não preciso ser perfeita!. Afinal: – Procurando bem todo mundo faz pecado, logo assim que a missa termina , todo mundo tem um primeiro namorado só a bailarina é que não tem
Aqui entre nós, ninguém passa pela vida sem cultivar um segredo e eles colorem nossa existência. Mas não conta para ninguém. ;)




Helena Cunha Di Ciero é psicanalista , membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário