sábado, 16 de junho de 2012

Muitos me pediram o discurso da missa de sétimo dia de meu pai.

 
Eu poderia passar dias falando sobre ele. Aliás, ser sua filha era algo que me dava muito orgulho. Gostava de responder: Sou filha do Paschoal. Meu pai era um homem simples, que veio do interior, tentar a sorte em São Paulo, numa carreira incerta na época. Era de uma pureza tão grande que toda sua sabedoria ficava despretensiosa- o que dava ás pessoas que o cercavam uma sensação de proximidade independente do nível social e intelectual. Perto dele as pessoas se sentiam amparadas, pois ele era genuinamente nobre. O que fez com que sua carreira passasse a ser mais que adequada. Nessa última semana, muitos vieram até mim para dizer: ‘ Seu pai mudou minha vida”. De fato, ele tinha essa capacidade. Era um homem discreto, mas de presença marcante. De sua boca vinham as palavras certeiras, capazes de mudar um olhar, arrumar outro significado para as vivencias. O que fez com que ele ajudasse muita gente não só como psicanalista, mas como amigo. E dessa sua característica eu vou sentir mais falta. Meu pai tinha alma de poeta. Era capaz de enxergar beleza até nos momentos mais tristes. Essa última lição ele me deu em sua derradeira semana de vida: Foi uma lição muda- já que ele não mais usava aquilo que tinha de mais forte: as palavras. Ele me mostrou que para ajudar-nos a superar esse momento tínhamos de contar com o amor de pessoas queridas- e isso tivemos de sobra. Amor cultivado por ele em seus pacientes, amigos e parentes respingava em mim no dia mais duro que eu tinha vivido até então. É com esse amor semeado por ele que eu e minha mãe fincaremos nossas raízes para continuarmos crescendo, depois de toda a tempestade que acometeu nossa casa.Segundo ele, amor quanto mais se dá mais se tem.Eu concordo, pai- e te agradeço por deixar-me essa herança tão valiosa. Nossa família sempre foi pequena e sempre fomos muito unidos. Essa união ajudou meu pai a superar seus diversos problemas de saúde, suas doenças assustavam os médicos tal como sua prontidão para se recuperar. E sua urgência em viver, aprender e conhecer tornavam suas inúmeras doenças banais. Pois o que ele tinha de mais saudável era sua vontade de estar vivo, por isso lutava. Meu pai tinha pressa de viver, por isso acabou alongando sua vida, a despeito de seus resultados de exames. Muitos o chamavam de Phoenix, pois sempre ressurgia das cinzas. Seu segredo era sua capacidade de sonhar, de usar as palavras para conduzir-lhe a outro mundo, o da escrita. Certa vez na UTI pediu caneta e papel para escrever um conto. Essa sua pressa em viver fazia com que ele valorizasse cada instante da vida, colorindo–os com suas emoções. E nos fazendo acreditar em sua capacidade de despertar, encantando a todos, admirando-nos tamanha sua prontidão e dignidade em encarar a vida. Talvez seu poema favorito falasse mais dele do que ele mesmo imaginava e é com ele que finalizo:


Motivo
Eu canto por que o instante existe, e minha vida está completa
Não sou alegre, nem triste: Sou poeta.
Irmão das coisas fugidas, não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou edifico, se permaneço ou me desfaço,
 Não sei, não sei se fico ou se passo. Sei que canto. 
E a canção é tudo. Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia estarei mudo, mais nada.

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