quarta-feira, 24 de abril de 2019

Metamorfose Ambulante

Foi outro dia mesmo que meu filho chegou em casa contando que estava estudando metamorfose na escola. O girino que vira sapo, a transformação da borboleta e por aí vai.
Até que antes de dormir quando ele me pediu uma história e minha mente lembrou-se de Gregor Samsa o pobre moço que acordou transformado numa enorme barata. Contei a história para ele achando uma tremenda ideia , a começar pelo fato de que Kafka era duro e penhorava seu casaco no inverno para poder comprar tinta para escrever . Achei que ao contar isso poderia explicar algo sobre a necessidade, a falta , o sonho e a determinação .
Comecei , empolgada , estava tudo indo bem. Até que me dei conta do trágico final que viria a seguir . Não poderia correr o risco de deixar meu menino assombrado com a solidão e o esquecimento que acompanharam o fim da vida do personagem. E daí tive uma ideiazinha de licença poética , de mãe super protetora :

- Sabe meu filho , tava lá o Gregor transformado numa barata bem feiosa , na janela triste achando que ninguém mais queria ter ele por perto. Até que passou uma moça chamada GH que olhou para ele e viu toda a razão de sua existência. Subiu na janela deu - lhe uma mordida e viveram felizes para sempre. Encontrados . E fim de papo .

Ele dormiu feliz . E eu fiquei pensando sozinha. Como seria lindo se alguns persongens pudessem se conhecer e se encaixar um no outro . Tipo se o Meursault do estrangeiro encontrasse a Amelie Poulain ou se a Ursula do Cem anos de solidão conhecesse o Holden Caulfield , se ela ajudaria ele a se questionar menos. Ou se o Nino Sarratore encontrasse uma boa analista , será que daria paz para Lila e Lenu ?
Também às vezes quando morre alguém querido , fantasio um encontro seja lá onde for. A Celeste minha professora de Yoga querida pode ter conhecido minha Tia Uda que vivia com dor nas costas. Ou se minha avó que era toda pra frentex pode encontrar a Cidinha , a cozinheira que me criou e passou a receita de pão de queijo pra ela.
Se meu pai conheceu a Sophia Loren e briga com o pai do meu amigo Tato Badra por causa dela lá no céu .
Na minha fantasia estão todos encontrados e pertencendo a algum lugar. Se foram personagens ou parentes, não importa , ninguém fica de fora. Em mim vão estar eternamente vivos, enquanto eu respirar, são meus . É esse o meu desfecho, a minha metamorfose com tudo que eu amei , encontrei, li e vivi.
Lembrei do filme o escafandro e a borboleta que o jornalista que sofre um acidente ficando tetraplégico diz :

“ Meu corpo é meu escafandro . Minhas memórias são minhas borboletas , com elas vou a qualquer lugar “.

Eu não ando só , só ando em boa companhia .

Dentro de mim ninguém vira barata .

Feliz dia do livro .

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