segunda-feira, 29 de outubro de 2018

FEMININO- TEXTO PUBLICADO NA REVISTA AMARELLO FEMININO 2018

 Minha mãe menininha

Era uma noite linda de sábado, festa grande. O casamento repleto de orquídeas que desciam do teto, noiva feliz, festa cheia, decoração impecável. Entrei no banheiro para tirar os grampos do cabelo, que me incomodavam e ouvi três mulheres conversarem amigavelmente: Uma era uma moça loira de  vestido bordado e jóias que amamentava seu bebê numa cadeira de veludo vermelho no canto do banheiro. As outras duas estavam de uniforme e eram responsáveis pela limpeza, estavam em pé, usavam touca e avental. 
O papo estava animado, falavam sobre gravidez, seios doloridos, bebês esfomeados, parto e a solidão da madrugada. Havia uma  ternura no diálogo que encobria a diferença social. Eram mães, acima de tudo, biologicamente programadas para gestar e falavam com alegria de suas crias, da aventura de cuidar de alguém, dos desafios , trocavam experiências com satisfação . 
 Ver a cena pelo espelho me tocou ao mesmo tempo em que me trouxe uma pergunta: Em que circunstâncias mulheres tão diferentes falariam de uma situação tão íntima se não tivesse como pano de fundo comum a maternidade? É que as mães se reconhecem pela veia do coração. Há uma identidade partilhada , uma dor e um desamparo: Existe alguém que depende de mim . 
Antes de ter filho via minha mãe como uma entidade, um totem, aquela que sabia tudo, a pessoa para quem eu perguntava antes de todo mundo sobre qualquer assunto. Depois descobri  que mães são só pessoas , meninas assustadas, aflitas, inseguras, tentando acertar. Que vão assumindo aos poucos o papel materno, mas não sem angústia. A artista Rineke Dijkstra em seu trabalho new mothers  mostra esse estado  em fotografias lindas de mulheres recém – paridas segurando bebezinhos. O olhar que dirigem á câmera  revela o que sentem.
Foi uma surpresa muito gratificante o grupo de mães que conheci na escola dos meus filhos. Confesso que sempre tive medo e até um certo preconceito, mas foi uma surpresa  contar com a ajuda dessas mães – que viraram-amigas e me apoiaram, com quem construí uma relação muito enriquecedora. Me surpreendi com a disponibilidade que encontrei nessas mulheres com e a qualidade de relação que construímos. Foi  fácil contar com elas nessa fase tão importante da vida dos meus filhos, a primeira infância. 
Durante os últimos anos, vivemos nascimentos, mortes, doenças , separações e amores. Tivemos momentos em que esse grupo teceu uma rede  de coragem para amparar uma de nós  que sofria por um bebê que nasceu doente . Todas nos sentíamos impotentes e portanto oramos juntas mesmo com religiões diferentes ,doamos sangue, oferecemos abraços e uma taça de vinho para atenuar a dor . Em troca , essa mesma mulher nos ensinou sobre a dignidade de uma mãe que enfrenta a morte de cabeça erguida, protegendo o filho vivo de sua dor. E esse mesmo grupo também se abraça em momentos de celebração e conquistas  das crianças. E tem gente que chama escola de educação infantil ... Não para os pais .
 É que uma criança é criada por uma aldeia , não por uma pessoa,  assim diz um ditado africano.  Eu humildemente acrescento que  existem mulheres, ‘tias ‘, avós, amigas da mãe que dão um contorno ajudando a construção desse ser em desenvolvimento, a mãe. 
A femilinidade constrói-se  com a ajuda de outras mulheres,  é uma espécie de herança transmitida de geração em geração, através de um vínculo  delicado e sutil. A partir da relação com a mãe que as meninas se fazem femininas. Essa relação permeia a feminilidade e é estruturante da relação mãe e filha que virá futuramente. Para ser mãe é necessário o registro da mãe que antecedeu. Esse  vínculo seria uma referência  fundamental para quase todas as relações  significativas  experimentadas ao longo da vida. Mãe e filha  estão ligadas para sempre através de experiências concretas e inconscientes. Não é a toa que  somos representadas pelo laço de fita.
Outro dia  minha filha tirou a fralda, saí eu ela e a avó  para comprar uma calcinha para ela . Acho que inconscientemente queríamos dizer : seja bem vinda . 
Mas ao olhar para minha história o que vejo antes de grandes transformações são as amigas . Da escola, da faculdade , minhas tias e primas que me ajudaram nos ciclos da vida. É que as mulheres fazem um coro de amor e coragem que nos sustenta ao longo da vida. 
Somos como aquelas bonecas russas, as matrioscas , carregamos dentro de nós  muitas mulheres que nos ensinaram a crescer.
Não é a toa que as famílias brigam pelas jóias da vovó. Elas tem um valor além  material. Representam esse diamante lapidado pelo amor , pela lealdade que nos dá força para trilhar a aventura da vida.
E ás invejosas , que não conseguem ver o tamanho desse laço, desejo vida longa.


Helena Cunha Di Ciero Mourão é mãe do Cisco e da Kiki , paciente da Ester , neta da Zita e da Maria Rita  e acima de Tudo filha da Maria Eugênia com um amor que não cabe em mim. E psicanalista de muitas meninas e mulheres especiais

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