quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Lixo Eletrônico Tóxico
( Texto escrito para a página Como educar no século XXI)

Os adolescentes denunciam algumas contradições importantes da nossa sociedade atual:  Ao mesmo tempo em que trazem questões a serem valorizadas , outras merecem que nos debrucemos com cuidado .
Explico: Em primeiro lugar, hoje em dia ser homofóbico é feio. Um defeito inadimissível . Existe um respeito por aquilo que é diferente - ponto para a nova geração.
Na minha época ninguém nem se quer sabia que essa palavra existia , hoje ela é repetida inúmeras vezes como uma falha -  deve ser levada a sério : “Não falo mais com fulano, ele é homofóbico”. Escuto essa frase com frequência no meu consultório e fico bem animada com a geração que está chegando. Talvez o futuro possa ter um horizonte mais tolerante, com mais respeito  e mais compreensão.
Acho também muito rico esse movimento das meninas que lutam pelo feminismo, se questionando sobre ser mulher. Brigam por serem ouvidas na escola, enfrentando á seu modo uma sociedade que emoldura e enfraquece as mulheres.
As vezes até exageram , achando que qualquer gentileza é sinal de machismo . Adolescente costuma exagerar no tom , para se fazer ser visto e ouvido, para tentar compreender e ser compreendido. Tudo nessa fase da vida é grande , intenso, em technicolor, ou melhor dizendo: em CAPSLOCK.
 Mas de uma maneira geral, de verdade , fico cheia de orgulho quando vejo meninas de 13 anos pensando sobre isso. Eu não fui assim , fui ficando assim . E precisei muitas vezes me sentir acuada no papel de mulher , para depois me perguntar se eu concordava com a posição na qual estava sendo colocada.
Mas, por outro lado,  alguns temas me preocupam : A propagação de letras de Funk que são absolutamente  misóginas é um deles . Essas mesmas meninas que brigam por serem respeitadas,  por outro lado , entoam mantras de funkeiros que são absolutamente  desrespeitosos  com a figura feminina e até violentos. As vezes penso que esses jovens que cantam essas canções não compreendem de fato o que estão propagando.  Se querem ser tratadas pelos parceiros como  as personagens das canções  que vivem cantarolando . É só ouvir Mc Jojo. Mc Princesa  ou Baile de Favela para saber do que estou falando . A velha Tati quebra barraco fica no chinelo.
O fato é que o que a gente acha hoje  nas ondas do rádio e no snap dos funkeiros tem um tom de violência e de desqualificação da mulher. E toca repetidamente em todas as festas. Os tais proibidões  são a antítese desse discurso feminista. Colocam a mulher num contexto que banaliza não apenas a sexualidade como as drogas.  
 Sexualidade na adolescência é assunto sério , o desabrochar dessa fase marca toda uma relação eu-corpo  que durará por toda vida . Intimidade não pode ser excluída desse período, como se fosse algo sem valor. Intimidade não é peça de antiguidade , é um espaço importante da construção do psiquismo, impossível de ser deletado.
Recentemente assisti ao documentário Hot Girls Wanted que investiga a entrada de  jovens meninas para o mercado pornográfico. Todas por volta de 18 anos  em busca de dias de glória e glamour . “Já que vou transar, por que não filmar ? Já que o nude pode vazar , melhor eu mesma me expor, por vontade própria” - Questiona uma atriz. São meninas que entram nesse mercado em busca de fama e sucesso ás custas de uma exposição violenta , precoce . Uma decisão impulsiva, sem qualquer possiblidade de reflexão e questionamento.
 A maneira como o filme se desenrola é bastante respeitosa,  o olhar do diretor não se aproveita do corpo das moças . O que é raro, em geral, pois sempre se tira uma casquinha das atrizes. No caso, embora o documentário fale de sexo, não exibe nudez. O assunto é  manuseado com o cuidado necessário.  Cuidado este que as mesmas atrizes não tem consigo mesmas, muitas vezes descartando o uso de preservativo, para ganhar mais com as cenas de sexo.
É muito triste para o espectador ver a falta de intimidade dessas meninas consigo, com seus sentimentos, com seu próprio corpo . O olhar que elas trocam com os parceiros-atores , a violência á qual se submetem , a falta amor  pelo o próprio corpo.
Fiquei surpresa ao saber  que muitas delas se dispõem a um tipo de filmagem de uma categoria chamada Facial , na qual são humilhadas na frente das câmeras , sofrem violência física , fazem sexo forçado até vomitar,  dentre outras coisas tão chocantes que considero de mal gosto redigir . Essa categoria do pornô, está disponível para quem quiser ver num simples clique . O filme é uma denuncia triste. Vale assistir para refletir.
Refletir que nossos filhos formarão a sexualidade deles assistindo vídeos na internet e esbarrarão em cenas como estas. Ouvindo canções repletas de violência e promiscuidade que podem vir a ser as canções tema de uma noite especial.
 O fantasiar  foi substituído pelo google , porém muitas vezes o conteúdo digital é assustador. A internet oferece possibilidades diversas, sem que o jovem tenha um aparelho digestivo psíquico suficientemente forte.
Devemos pensar cuidadosamente sobre como as mídias podem ser invasivas , sobre o que é informação  e o que é lixo eletrônico tóxico, cujos resíduos ficam marcados permanentemente numa mente em formação.


Helena Cunha Di Ciero
Psicanalista

Membro filiado da Sociedade Brasielira de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário