segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Flor da solidariedade 
Finados é dia de visita. Vira uma nova tradição familiar, depois que alguém que a gente ama vai embora. Levar flores em dia de finados, escolher um belo arranjo e contar para quem partiu sobre nosso amor que continua . Ainda que na ausência.
Minha avó dizia que em finados sempre chovia. Eu ficava pensando , de pequena , que eram os mortos chorando de saudade lá do céu . Como uma espécie de reconhecimento da tristeza que deixaram. Mas a minha avó não conheceu o aquecimento global e o fato é que nem sei se chove em finados mais.
Eu sei que nesse dia as visitas viram reencontros bonitos e tristes .
Com o tempo viram dias de ternura.
Meu filho um dia me disse que quando a gente morre não faz aniversário de Mickey ou de Pirata , faz aniversário no cemitério.
Aprendi a ver finados como um dia mais florido com a ajuda da passagem do tempo.
Num de meus primeiros finados chorei tanto , tão profundo que fiquei um tempão no carro com a cabeça afundada na direção . Até que ouvi alguém bater no vidro do carro . Me assustei , era um mendigo. Disse que não tinha dinheiro mas ele respondeu :
- Faz tempo que seu finado se foi ? Eu sei o que a senhora está sentindo , já perdi meu irmão . Vai melhorar , dona.
Foi uma cena tão linda que parei de chorar na hora. E sorri para ele , agradeci e tive uma enorme vontade de abraça -lo . Éramos os dois feitos da mesma carne , a carne da saudade .
Sorri e fui em frente liguei o carro. Já era hora de voltar . O cemitério ituano fica mesmo numa avenida chamada “avenida da saudade”. Mas era hora de pegar outra vez a estrada da vida.E seguir em frente.
Lembrei da minha Orientadora Ana Trinca que me contou certa vez que todo dia um caminhão de lixo passava pela porta da casa de sua neta pequenina e levava uma flor para ela .
Nos anos seguintes não vi mais eu vi o mendigo. Mas naquele finados , fui eu quem ganhou uma flor: A flor da solidariedade .
Por uma coincidência linda , meu pai me chamava de flor
.

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