SOBRE OS DOIS ADOLESCENTES QUE ESTA TARDE ATRAVESSARAM A RUA DE
MÃOS DADAS –
Foi depois do fim das aulas.
Passaram o portão de ferro da escola
e deram as mãos
para atravessarem a rua.
E, de mãos dadas, formaram
uma corrente
tão poderosa, tão compacta,
que o trânsito teve mesmo de parar
e ficou completamente imobilizado.
Não vou ceder
agora à tentação
de afirmar que assisti
à materialização de um milagre,
afinal é coisa
que deve estar sempre a acontecer,
em algum lugar, ao fim
da manhã ou da tarde, logo
depois das aulas,
dois adolescentes dão
as mãos, atravessam a rua, bloqueiam
a circulação rodoviária
de uma cidade.
Mas pensa nisso por um segundo,
pensa na força dessa corrente.
agora à tentação
de afirmar que assisti
à materialização de um milagre,
afinal é coisa
que deve estar sempre a acontecer,
em algum lugar, ao fim
da manhã ou da tarde, logo
depois das aulas,
dois adolescentes dão
as mãos, atravessam a rua, bloqueiam
a circulação rodoviária
de uma cidade.
Mas pensa nisso por um segundo,
pensa na força dessa corrente.
Luís Filipe Parrado
AURORA
Helena Cunha Di Ciero Mourão
Outro dia mesmo era eu sentada no chão do aeroporto
jogando truco, pensei, quando encontrei um bando de adolescentes sentados numa
típica viagem escolar, nem aí para a hora do Brasil, na calçada com seus
telefones celulares tocando música sertaneja. Sorrindo com leveza, zombando uns
dos outros, coloridos pelo viço, pelas tatuagens. “Ei, espere, já fui uma de
vocês” – tive vontade de dizer para aquela plateia nada interessada naquela mãe
de duas crianças que faziam birra na calçada, exaustas pelas horas de voo. Essa
sou eu, constatei.
Foi assim, de repente, que cresci e virei gente
grande. Ali no espelho, eu olhei e deixei de ver a adolescente que um dia eu
fui. Na verdade, hoje até estranho essa moça que eu vejo nas fotos tão cheia de
sonhos, que achava que a vida com ela seria mais doce, menos dura, mais
generosa. Tinha algo em mim que achava que a adolescente em mim duraria para
sempre, tal qual metal precioso. E tentei mumificar esse ser que um dia eu fui
por um tempo, confesso com certo embaraço. Até que, num dado momento, foi
preciso fazer uma despedida e assumir que a adulta agora me possuía mais do que
nunca. Não foi de propósito; a aurora da minha vida passou e foi embora sem se
despedir. Com o final dessa primavera começou a vida de adulto, sem pedir permissão.
É assim que se dá o crescimento; a gente se adapta
finalmente a uma situação e ela acaba. E as rugas mapeiam esse anúncio sem dó
nem piedade. O tempo se impõe, simplesmente.
Fácil verbalizar isso após os trinta, com
quilômetros rodados. Mas há uma tristeza nesse discurso, um luto, uma dor e uma
perda. Pois bem, para um adolescente, a mesma sensação se presentifica. O
momento é outro, mas é também marcado por uma transformação. Contudo, falta
repertório, palavras, sobram angústias e sensações.
A adolescência é a passagem do mundo infantil para
o adulto, uma ponte, uma travessia. Tudo isso envolve uma adaptação, e toda
adaptação é precedida por uma crise. Aquele corpo de criança se vê invadido por
pelos, espinhas, partes que crescem desgovernadamente, uma voz que desafina,
hormônios que não existiam. Esses novos habitantes daquele espaço tão gracioso
do corpo infantil não chegam de forma harmônica.
Esse processo é marcado por uma sensação de
estranhamento, de não pertencimento. Já diziam os Titãs: “Eu não caibo mais na roupa que eu cabia,
eu não encho mais a casa de alegria, mas quando me olhei achei tão estranho, a
minha barba estava desse tamanho.”
Há ao mesmo tempo uma excitação com a conquista de
mais autonomia e também tristeza pelas cobranças do mundo da maturidade. Além
da dor da perda do lugar privilegiado da criança.
Os pais, que antes eram um lugar de proteção,
tornam-se figuras persecutórias por tentarem colocar limites nas realizações de
desejos do jovem. O que traz a estrofe de outra canção: “Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo. São
crianças como você, o que você vai ser quando você crescer “.
Nesse período da vida há um luto das figuras
parentais idealizadas. Logo, o lugar de herói fica desocupado e por isso, há
uma busca por ídolos e novos modelos de identificação. O jovem está desesperado
em busca de formar essa nova identidade.
David Leviski (1998) destaca que embora fisicamente
o adolescente esteja apto a exercer suas funções, ainda encontra-se diante de forças da cultura e da sociedade e do risco que existem ante os desejos de plena liberação e desenvolvimento dessas funções.
Calligaris,C. (2000) adiciona que apesar da maturação
dos corpos a autonomia reverenciada, idealizada por todos como valor supremo, é
reprimida, deixada para mais tarde.
É como se tornassem estrangeiros num mundo que
sempre lhe foi familiar. Por isso as amizades nessa fase são tão importantes,
constroem um muro para proteger aquele Ego frágil em transformação.
Costumo dizer que são como Ferraris com motor de Brasília amarela.
Lataria linda, mas o interior precisa de cuidados. O corpo de adulto e a mente
infantil são parte de um mesmo indivíduo. E essa mente não é capaz de conter
aquele novo corpo em desenvolvimento, numa ardência pulsional. Na crise da
adolescência, há uma sexualidade aflorando descontroladamente e torna-se
difícil lidar com seus impulsos.
De acordo com o psicanalista Marcelo Viñar (2005) a juventude não pode
ser definida como realidade cronológica, e sim como um tempo de mutação que
marca um antes e um depois. Isso pois a essência da adolescência é o ímpeto, o
movimento. Como se captura o vento ou o fogo quando sua marca é a
instabilidade?
Atendo adolescentes há alguns anos no consultório e
me sinto bastante privilegiada por receber esses pacientes no momento em que a
dança da vida se apresenta para eles. Recebo-os como quem recebe botões de rosa
fechados, cheios de esperança, ao mesmo tempo frágeis e cheio de espinhos. E
procuro dar-lhes algum contorno. Não é um trabalho fácil, ajudá-los nessa
transição. Explicar-lhes que a vida é mesmo contraditória. Que os amores
acabam. Falar-lhes sobre leis num país onde elas são constantemente desrespeitadas.
Explicar-lhes sobre autoimagem numa cultura de Photoshop. Ajudá-los a
compreender que esse corpo que pulsa não pode fazer exatamente aquilo que
deseja a despeito de sua intensidade.
Contudo, acredito que um jovem, quando acolhido e
compreendido nesse transbordamento emocional, nos sinaliza um futuro mais
colorido e cheio de esperança.
Trabalhar com esses pacientes que vêm com a marca
da pressa, da urgência , do efêmero do nosso tempo atual pode ser rejuvenescedor.
Convidá-los a um momento de pausa e reflexão é quase um ato revolucionário. Pois
perceber também o quanto essa geração chegando se alimenta de relações
qualitativas, basta haver uma intenção, me faz acreditar num horizonte mais
azul. Sim, eles assistem lixo na internet, mas também são capazes de se
encantar com um belo poema, um bom filme, quando convidados. Basta
estender-lhes a mão nessa passagem.
Devemos ser cuidadosos, como adultos, para
continuarmos investindo nos adolescentes, não com um olhar invejoso do jovem
que deixamos de ser. É importante dar credibilidade aos sentimentos dos jovens,
tentar compreender suas dores e angústias. Oferecer um amparo nesse momento de
tempestade. Essa é a aposta esperançosa.
O aumento dos suicídios na adolescência nos
denuncia um vazio. Que vazio é esse? Seria o vazio do nosso olhar? Como
adultos? Será que estamos preocupados com o legado que estamos deixando para os
jovens, em acolher esses seres em transformação?
Ou será que estamos tão preocupados em perpetuar
nossa juventude que nos esquecemos de cuidar de nossos jovens? Será que, ao nos
conformarmos com nosso lugar de envelhecimento, não podemos lhes oferecer a
proteção que necessitam?
Pensa na força dessa corrente.
Helena Cunha Di Ciero Mourão percebeu, no fim da escrita, que fez uma
escolha quase sem querer de canções para ilustrar o texto. Renato Russo
e Titãs não vieram aleatoriamente, vieram lembrar minha adolescência.
Calligaris, C. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000
Levisky, David Léo Adolescência : reflexões psicanalíticas / David Léo
Levisky. - 4. ed. - São Paulo : Zagodoni, 2013.
Vinar . M (2005)La Juventud en el Mundo de Hoy. Ser
Sujeto Adolescente en el tercer milenio. Abril 2005. Soc. Brasilera de
Psicología de Sao Paulo
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