sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sobre a sobrevivência dos objetos

Um relógio. Um óculos.Uma malha de losango, luvas de couro. Um chapéu que parece de pintor francês. Uma agenda preta.  O que sobrou de meu pai foram coisas. Acessórios. As camisas de linho eu dei. O sapato outro dia estava no pé do meu cunhado. O relógio  foi para um amigo, mas no fim o que sobrou dele que posso tocar foram acessórios.
 Tão engraçado isso da vida.  Os objetos não são nada, são apenas detalhes. São menosprezados até por serem materiais. Mas são eles que ficam. Parece que eles se vingam por não terem tido o devido valor , pois agora eles ficam imortais. Confesso que as vezes deixo fora do lugar a agenda só para achar que ele  passou por ali.
O que sobra da morte é um silêncio absurdo, quando passa a dor. O que sobra é calmaria. Mas é uma calmaria sem ruído, que por sua vez possui um som assutador, que chega a ensurdecer se contemplado por muito tempo. Devemos nos movimentar a despeito da música que a vida canta.
 Hoje esses objetos são tudo que tenho dele. Eu que tive tanto desse homem , hoje tenho essa saudade que sei que é eterna  e esses acessórios.
Quando sonho com ele , acordo feliz, pois é uma nova memória que se faz. Essa semana ele veio. Queimado de sol. Brincou com Francisco, viu ele dar seus primeiros passos. Fiquei feliz a manhã inteira, pois o sonho era tão forte como a lembrança de nós dois em Paris ou em Campos de Jordão.
Ou em casa depois do almoço quando tínhamos nossas conversas, antes de eu ir trabalhar. Sempre após o almoço ficávamos juntos. Nada podia ser escondido dele naquele horário. Era nosso momento de compartilhar. E era rotina. E era especial.
Então quando sonho com ele , compartilho algo, me sinto transportada para  dentro desse momento outra vez. E trago comigo uma nova lembrança, um novo objeto interno- como dizem em Psicanálise.

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