sexta-feira, 30 de novembro de 2012

o amarello #10 - futuro



Rumo a Ítaca.

.... Mas não apresse a viagem nunca.
Melhor muitos anos  levares de jornada
E fundeares na Ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela Viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te .
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio , um homem de experiência .
E agora, sabes o que significam Ítacas.
                                                                (Konstantino Kabvafis)



Sempre adorei as festas de reveillón. Todos de branco, se abraçando, desejando que o próximo ano seja repleto de coisas boas. Ano novo, vida nova, possibilidade de recomeço. Bem vestidos,  de roupa nova branca, contemplamos o que está por vir,  celebrando. Recebemos o novo ano como quem conhece um novo amor, acendemos velas, brindamos à ele, oferecemos flores ,cheios de esperança que dessa vez vai ser melhor.
Existe algo de encantado no futuro. Algo mais iluminado  do que o agora. Sempre há uma certa idealização do momento no qual não estamos vivendo.
O futuro obscuro vem com um dever : Lá, naquele lugar serei feliz. Quando me casar, quando concluir um projeto, quando tiver filho, quando comprar um apartamento. E se não acontecer?  E se for diferente?
Tanto o passado quanto o futuro ficam reservados numa espécie de altar em nossa mente. O passado por ter sido meu, acaba tendo um valor nostálgico. Meu pai dizia : Não brinque com o passado, ele é muito perigoso- ás vezes ele é muito sedutor. É muito fácil virar refém do lugar onde não fui feliz, ficando numa condição de vítima privilegiada , paralisada ,revendo que ficou para trás.  Deixando de dar lugar para o agora , remoendo uma condição que não mais existe.
Penso que o mais desafiador dessa vida é poder se movimentar no presente, não apenas em direção ao futuro , mas colocando o passado em seu devido lugar.
 Ressignificando-o. Dando outro sentido para a vida que tive até então, acabo colorindo –a com um tom mais vivo,  assim me locomovo com mais tranquilidade em minha história . Transito pelas minhas memórias, visito –as, como um espectador que revê um filme e se aproxima de uma cena com um outro olhar. Este seria o verdadeiro preparo para o que vier pela frente. Para olhar para o que virá adiante é preciso leveza, acima de tudo. Existem bagagens que levamos que são desnecessárias  .
 Nosso arsenal para a luta da vida são nossas vivencias, aquilo que armazenamos, nossa história . E obviamente isso também agrupa os momentos duros, tristes ; bem como , os que fui humana, imperfeita.  Fui trazida até aqui também pelos o meus momentos ridículos, bobos, inseguros, aflitos. E pela forma como os enfrentei. Aí, nesse cantinho mora a  coragem e esperança. Esse cantinho verde, cor do trevo de quatro folhas, o lugar  onde nos perdoamos e rimos de nós mesmos, com ternura . Aceitamos resignados o nosso papel errante . E assim podemos ir adiante .
Henri Bergson em O Riso, coloca que nada desarma mais do que o riso. Rimos daquilo que é humano, imperfeito.
 Rir de si mesmo tem á ver com a possibilidade de  se movimentar em  nossa imperfeição , de se flexibilizar frente a imagem que gostaríamos de passar e aquilo que somos . Portanto aí mora a possibilidade de reinvenção.
Não há nada mais insuportável do que aqueles que não riem de si mesmos.  Nada mais persecutório do que a seriedade, aquele script a ser seguido, rígido, em linha reta .  Nada é tão reto, tão estático quanto o eletro que mostra que a vida se encerrou.  O que simboliza a vida é movimento, seus altos e baixos
Não existe  um passado feito só de coisas boas, assim como não é possível um futuro ideal. Existe o futuro possível .
Este, não precisa ser perfeito para ser bom . Nem a gente .
Sendo assim, o que resta é: darmos boas vindas ás aventuras que os novo ciclos nos reservam.  Feliz ano novo.




Helena  Cunha Di Ciero é psicanalista - membro filiado da sociedade de psicanálise - mãe do Francisco e vai ser para sempre filha do Paschoal , com muito orgulho e gratidão  .

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sobre a sobrevivência dos objetos

Um relógio. Um óculos.Uma malha de losango, luvas de couro. Um chapéu que parece de pintor francês. Uma agenda preta.  O que sobrou de meu pai foram coisas. Acessórios. As camisas de linho eu dei. O sapato outro dia estava no pé do meu cunhado. O relógio  foi para um amigo, mas no fim o que sobrou dele que posso tocar foram acessórios.
 Tão engraçado isso da vida.  Os objetos não são nada, são apenas detalhes. São menosprezados até por serem materiais. Mas são eles que ficam. Parece que eles se vingam por não terem tido o devido valor , pois agora eles ficam imortais. Confesso que as vezes deixo fora do lugar a agenda só para achar que ele  passou por ali.
O que sobra da morte é um silêncio absurdo, quando passa a dor. O que sobra é calmaria. Mas é uma calmaria sem ruído, que por sua vez possui um som assutador, que chega a ensurdecer se contemplado por muito tempo. Devemos nos movimentar a despeito da música que a vida canta.
 Hoje esses objetos são tudo que tenho dele. Eu que tive tanto desse homem , hoje tenho essa saudade que sei que é eterna  e esses acessórios.
Quando sonho com ele , acordo feliz, pois é uma nova memória que se faz. Essa semana ele veio. Queimado de sol. Brincou com Francisco, viu ele dar seus primeiros passos. Fiquei feliz a manhã inteira, pois o sonho era tão forte como a lembrança de nós dois em Paris ou em Campos de Jordão.
Ou em casa depois do almoço quando tínhamos nossas conversas, antes de eu ir trabalhar. Sempre após o almoço ficávamos juntos. Nada podia ser escondido dele naquele horário. Era nosso momento de compartilhar. E era rotina. E era especial.
Então quando sonho com ele , compartilho algo, me sinto transportada para  dentro desse momento outra vez. E trago comigo uma nova lembrança, um novo objeto interno- como dizem em Psicanálise.