Lixo Eletrônico Tóxico
( Texto escrito para a página Como educar no século XXI)
Os adolescentes denunciam algumas contradições
importantes da nossa sociedade atual: Ao mesmo tempo em que trazem
questões a serem valorizadas , outras merecem que nos debrucemos com cuidado .
Explico: Em primeiro lugar, hoje em dia ser homofóbico
é feio. Um defeito inadimissível . Existe um respeito por aquilo que é
diferente - ponto para a nova geração.
Na minha época ninguém nem se quer sabia que essa
palavra existia , hoje ela é repetida inúmeras vezes como uma falha -
deve ser levada a sério : “Não falo mais com fulano, ele é homofóbico”.
Escuto essa frase com frequência no meu consultório e fico bem animada com a
geração que está chegando. Talvez o futuro possa ter um horizonte mais
tolerante, com mais respeito e mais compreensão.
Acho também muito rico esse movimento das meninas que
lutam pelo feminismo, se questionando sobre ser mulher. Brigam por serem
ouvidas na escola, enfrentando á seu modo uma sociedade que emoldura e
enfraquece as mulheres.
As vezes até exageram , achando que qualquer gentileza
é sinal de machismo . Adolescente costuma exagerar no tom , para se fazer ser
visto e ouvido, para tentar compreender e ser compreendido. Tudo nessa fase da
vida é grande , intenso, em technicolor, ou melhor dizendo: em CAPSLOCK.
Mas de uma maneira geral, de verdade , fico
cheia de orgulho quando vejo meninas de 13 anos pensando sobre isso. Eu não fui
assim , fui ficando assim . E precisei muitas vezes me sentir acuada no papel
de mulher , para depois me perguntar se eu concordava com a posição na qual
estava sendo colocada.
Mas, por outro lado, alguns temas me preocupam :
A propagação de letras de Funk que são absolutamente misóginas é um deles
. Essas mesmas meninas que brigam por serem respeitadas, por outro lado ,
entoam mantras de funkeiros que são absolutamente desrespeitosos
com a figura feminina e até violentos. As vezes penso que esses jovens que
cantam essas canções não compreendem de fato o que estão propagando. Se
querem ser tratadas pelos parceiros como as personagens das canções
que vivem cantarolando . É só ouvir Mc Jojo. Mc Princesa ou Baile de
Favela para saber do que estou falando . A velha Tati quebra barraco fica no
chinelo.
O fato é que o que a gente acha hoje nas ondas
do rádio e no snap dos funkeiros tem um tom de violência e de desqualificação
da mulher. E toca repetidamente em todas as festas. Os tais proibidões
são a antítese desse discurso feminista. Colocam a mulher num contexto que
banaliza não apenas a sexualidade como as drogas.
Sexualidade na adolescência é assunto sério , o
desabrochar dessa fase marca toda uma relação eu-corpo que durará por
toda vida . Intimidade não pode ser excluída desse período, como se fosse algo
sem valor. Intimidade não é peça de antiguidade , é um espaço importante da
construção do psiquismo, impossível de ser deletado.
Recentemente assisti ao documentário Hot Girls Wanted
que investiga a entrada de jovens meninas para o mercado pornográfico.
Todas por volta de 18 anos em busca de dias de glória e glamour . “Já
que vou transar, por que não filmar ? Já que o nude pode vazar , melhor eu
mesma me expor, por vontade própria” - Questiona uma atriz. São meninas que
entram nesse mercado em busca de fama e sucesso ás custas de uma exposição
violenta , precoce . Uma decisão impulsiva, sem qualquer possiblidade de
reflexão e questionamento.
A maneira como o filme se desenrola é bastante
respeitosa, o olhar do diretor não se aproveita do corpo das moças . O
que é raro, em geral, pois sempre se tira uma casquinha das atrizes. No caso,
embora o documentário fale de sexo, não exibe nudez. O assunto é
manuseado com o cuidado necessário. Cuidado este que as mesmas atrizes
não tem consigo mesmas, muitas vezes descartando o uso de preservativo, para
ganhar mais com as cenas de sexo.
É muito triste para o espectador ver a falta de
intimidade dessas meninas consigo, com seus sentimentos, com seu próprio corpo
. O olhar que elas trocam com os parceiros-atores , a violência á qual se
submetem , a falta amor pelo o próprio corpo.
Fiquei surpresa ao saber que muitas delas se
dispõem a um tipo de filmagem de uma categoria chamada Facial , na qual são
humilhadas na frente das câmeras , sofrem violência física , fazem sexo forçado
até vomitar, dentre outras coisas tão chocantes que considero de mal
gosto redigir . Essa categoria do pornô, está disponível para quem quiser ver
num simples clique . O filme é uma denuncia triste. Vale assistir para
refletir.
Refletir que nossos filhos formarão a sexualidade
deles assistindo vídeos na internet e esbarrarão em cenas como estas. Ouvindo
canções repletas de violência e promiscuidade que podem vir a ser as canções
tema de uma noite especial.
O fantasiar foi substituído pelo google ,
porém muitas vezes o conteúdo digital é assustador. A internet oferece
possibilidades diversas, sem que o jovem tenha um aparelho digestivo psíquico
suficientemente forte.
Devemos pensar cuidadosamente sobre como as mídias
podem ser invasivas , sobre o que é informação e o que é lixo eletrônico
tóxico, cujos resíduos ficam marcados permanentemente numa mente em formação.
Helena Cunha Di Ciero
Psicanalista
Membro filiado da Sociedade
Brasielira de São Paulo.