quinta-feira, 4 de julho de 2013

texto publicado na amarelo#12 - Liberdade


Quando deixei de de te amar



 ‘E ao acordar a uma hora da madrugada, em desespero
Eis que as três horas da madrugada eu acordei e me encontrei. Fui ao encontro de mim, calma alegre ,plenitude, sem fulminação
Simplesmente eu sou eu, você é você
É lindo , é vasto, vai durar
Eu não sei bem o que vou fazer em seguida…
(…) Eu sou antes , eu sou quase, eu sou nunca.
E tudo isso eu ganhei ao deixar de te amar.
Escuta! Eu te deixo ser.
Deixa-me ser.”
Clarice Lispector



Quando finalmente deixei de te amar,  podia sair a vontade na rua  sem o medo de te encontrar . Caminhava tranqüila , sem temer ser pega de surpresa. Os carros não eram mais iguais ao seu .
Eu já não era mais prisioneira de tudo que me lembrava você . As músicas não eram mais marcas da nossa história , ou  me davam recados malucos do destino. Simplesmente tocavam , enchendo meu dia com uma nova melodia . Já não me atingiam como flechas em forma de notas musicais . Tocavam - sem me tocar - como era boa essa sensação de ter finalmente mudado de estação .
Meu telefone voltou a ser só um aparelho e não mais o portador das notícias do dia . Antes , se você ligasse até o sol me aquecia diferente .  E se não ligava , nem  a beleza das flores me afetava . Nada que não fosse você me interessava .
Agora , já  não tinha medo do meu coração paralisar quando te visse - ele já estava em um ritmo mais delicado , menos frenético , menos assustado . Ele era meu novamente e apenas era um orgão dentro de mim para ajudar meu sangue a circular.  Um orgão do qual já nem me lembrava tanto. Dizem que só lembramos de alguma parte do corpo se temos dor ( por exemplo , o ouvido só lembramos de sua existência quando ele dói.) Então meu músculo cardiac já não doía, estava forte , pronto para uma nova caminhada .O oxigênio era meu , não mais era nosso . Já não vivia para você , naquele sufoco .
As horas também já não eram mais suas . E confesso que agora ,pouco importava se o relógio marcava horário igual . Já não me preocupava se eu estava em seus pensamentos . Você não morava mais em mim , e isso me trazia uma leveza  absurda . Eu era grata por tudo o que vivemos , sem dor . Sem desejo de revanche  ou auto piedade .
No meu peito  já não havia mais  espaço para vingança  . No espelho eu já não treinava conversas imaginarias . Você pôde enfim partir . Eu aceitei, depois de muita luta .
A vencedora no caso era eu . Já podia vislumbrar um futuro , contemplar o presente . Meus olhos não visitavam mais as lembranças . Simples assim . Eu parti .
Com o mesmo coração que entrei . Agora mais rica com tudo o que vivemos .  E o fato de você ter mudado minha vida me deu a chance de estar pronta para amar outra vez. Deixar de te amar foi azul .
Foi um novo horizonte que surgiu . Agora só meu .

Que alivio .





Helena Cunha Di Ciero é Psicanalista e acha que que só o amor liberta

2 comentários:

  1. Mais uma vez me emocionei com seu texto, e vim aqui registrar, volto a dizer que admiro muito qualquer arte que me toca, a revista é bem amarrada e virou minha leitura necessária! Parabéns a você e toda a revista amarello, mas sera mesmo que o amor liberta? pelo menos esse do texto(o meu) prendeu, talvez o só o amor correspondido liberte, talvez. beijos

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  2. andré, depois de muito tempo , a gente vê que o que liberta é a capacidade de amar. Que bom que está gostando dos textos.

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