sexta-feira, 11 de agosto de 2017

INESQUECÍVEL

Às vezes eu acho que quando chegamos no céu, Deus abre nosso
I cloud .
Lê print por print . E decide se você foi ou não uma pessoa decente.
Essa deve ser a tal nuvem na qual ele está sentado.
O I cloud revela uma porção de coisas da gente mesmo que passam despercebidas.
Mas se vasculhar bem, está lá: O dia que você falou mal de fulano , tá bem guardado . A dieta que você não seguiu , tá tudo lá . A foto do casamento que você quer copiar o arranjo de flores .O aplicativo de sons de meditação que você nunca usou pois sempre andava apressado.
Nada se perde . Existe um arquivo virtual , que é quase um pedaço da gente que mora dentro da tal nuvenzinha .
Pensando bem o psicanalista vasculha o I cloud da gente , o nebuloso inconsciente .
Outro dia perdi meu celular . Em uma hora comprei outro e estava tudo lá outra vez . Aplicativos , fotos , notas .
Não deu nem tempo de sentir falta do outro aparelho . Tudo estava armazenado . Em uma hora eu já nem me sentia mais culpada por ter sido desatenta com ele .
Estava tudo resolvido .
Fiquei pensando que aquela história de "perder para dar valor " não se aplicava nessa situação . Nesse ponto talvez prestasse um serviço que não é verdadeiro : uma ilusão de que nada se perde .
Por outro lado , as vezes fico pensando que daqui há cem anos o Facebook vai ter armazenado tanta gente que já existiu que vai ser um catálogo para as outras gerações consultarem quem foram seus avós o que eles gostavam de fazer , se curtiam posts da direita ou da esquerda , se eram seres contraditórios , vaidosos . Isso estaria eternamente salvo. Até da morte .
Um pedaço da gente que seria inesquecível .
Na verdade , eu adoraria ter sabido o que minha avó - mãe da minha mãe gostava de fazer , ter tido algum acesso a ela , já que morreu cedo . Ou até mesmo ter acesso as postagens do meu avô paterno na lua de mel na Itália .

Esse post é para os meus netos ,então . E para quem mais ler .
A vovó gostava de pensar nas coisas da vida .
E Deus deve ficado muito ocupado desembaralhando meu I cloud.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Sobre Viver no retrovisor
/ Sobreviver no retrovisor

Tem alguma coisa perigosa num lugar chamado nostalgia .
O passado , por ser um lugar já conhecido , ocupa um lugar na mente quase sagrado .
Fica lá um altar , que visitamos com frequência .
" Eu era feliz e não sabia " . Mas ainda era eu , tinha dores e inquietações , tal como tenho hoje . Basta lembrar da cena toda .
Mas nosso altar mental apaga certos estados , que encrenca.
Talvez como uma tentativa de passar uma segunda mão no que chamamos de lembranças . E nos deixar com uma ilusão de que houve um lugar de riqueza plena .
Porém , inquietação faz parte de estar vivo. E essa inquietação vem do fato de que nunca estivemos completos .
O problema é que este lugar nostálgico é inimigo do presente .
O hoje é cheio de possibilidades e isso pode ser assustador . Convoca minha coragem .
Como se combate esse lugar tão encantado e perigoso chamado de nostalgia ?
Se combate lembrando que hoje também sou feliz . Também infeliz em alguns aspectos pois para chegar no agora , perdi coisas . Coisas que me tornam aquilo que sou agora. Não há como voltar a ser quem já fui.
Tem coisas que perdi que parecem irreparáveis , mas se fossem de fato , não sobreviveria ao instante no qual vivo . São essas as lembranças e memórias que hoje constroem minha identidade .
Sentir saudade é viver o hoje com bagagem .
Se aprisionar no passado é não oferecer para a mala da vida novas memórias .
Para ser feliz no momento atual é quase necessário vasculhar o agora , reconhecer e contemplar . E finalmente : Brigar por iluminar ativamente as pequenas coisas.
Mas esse passado tão danado às vezes parece ter inveja do agora , querendo roubar o momento , como se quisesse reafirmar seu poder para nunca envelhecer .