terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Call it magic. Call it true .

“Will you let me romanticise,
the beauty in our London skyies ?
You Know the sunlight always shine ,
behind the clouds of London Skyes ?
Jaime Cullum

Tenho uma amiga que foi na cartomante pedindo a volta do seu amado: “Come o nome dele  durante sete dias “, disse a senhora . A jovem apaixonada, formada, madura e bem resolvida saiu de lá decidida: Passou uma semana comendo um papel com o nome do moço, em Jejum. Levantava da cama e numa folha escrevia até sobrenome do eleito. Sim, ele voltou depois de um tempo.
Tem algo de triste e de bonito nessa cena de mulher apaixonada que suplica para um amor não partir. Podia ser eu, uma prima , uma vizinha. Onde há amor, há romance e magia . Toda mulher em algum momento da vida se torna  menos princesa, mais bruxa em defesa do território  do encantamento. Qualquer loucura é justificável para a preservação do sonho. Chico Buarque canta lindamente a cena da mulher abandonada: “dei para maldizer o nosso lar, para sujar seu nome, te humilhar e me vingar a qualquer preço, te adorando pelo avesso... para mostrar que ainda sou tua“ . Mesmo Sheakspeare, se curvou dizendo que entre o céu e a terra não existe fúria maior que a da mulher rejeitada. E a velha Medéia é a precursora desse movimento.
Achei revolucionário o filme Malévola : A  fada que se vinga do homem que corta suas asas com ferro quente , em troca do poder de outro reino. (Será que há imagem mais rica do que essa para falar de amor? Se esse é o  sentimento que rouba nossa liberdade e entrega de bandeja ao outro?. Dizem que o primeiro amor é educativo, nunca nos entregamos novamente com a mesma força e ingenuidade da primeira vez.)
Desiludida pela traição de seu amado a personagem transforma-se numa bruxa poderosa e vingativa. E lança seu feitiço para a filha do homem que trocou-lhe por outro reino . A bruxa porém observando a Bela princesa crescer vai  entrando em contato novamente  com outro amor , o  materno – e sua ira vai sendo suavizada.
Perfeição politicamente correta  falta á Malévola para ser a protagonista de um conto de fadas, mas sobra humanidade - o que a torna apaixonante para o espectador que perdoa e compreende suas  charmosas travessuras de “bruxa má” e solidário , identifica-se com ela. Afinal, ridículo é quem nunca escreveu uma carta de amor..
Me pergunto se a Bela adormecida não representa essas mulheres que passam a vida inteira aprisionadas num sonho de ideal romântico esperando que alguém generosamente ás desperte. Um amor como solução de todos os problemas, como a causa de um despertar. Mas no filme o único amor passível de despertar a Bela adormecida seria  materno.  Esse sim , teria a condição da  eternidade. O resto são só promessas.
Sou de uma geração que cultuava a perfeição das princesas:  Cinderela vitimizada ,a alva pele de Branca de Neve e sua pureza. Tudo muito cindido, o bem contra o mal , bruxas contra príncipes, a Bela e a Fera .  Confesso que fico esperançosa  pelos novos ventos que se apresentam, quando um dos maiores livros de sucesso infantis , atualmente, tem como título : Até as princesas soltam pum. Tomara que minha filha (se eu tiver uma) não viva em busca de ser perfeita a espera de um príncipe encantado e sem sal . Talvez essa próxima geração escape dessa ilusão do amor perfeito. Talvez.
 A minha ainda sofre dessa herança do sonho de uma vida cor de rosa . A menina que sonhava em ser uma princesa desperta depois de um longo tempo de baladas em maresias , trilhas e viagens a Bahia dormindo em pousadas-nas quais-toma-se-banho-de-havaianas . Esse despertar se dá ao conhecer um rapaz que novamente a faz acreditar que existe sim um final feliz, que é possível ser uma princesa . Ah o amor.
As festas suntuosas de casamento quase enganam as jovens moças  que a vida adulta é pura celebração . Escolha o vestido que você quer minha filha, faça sua lista de presentes , dê uma linda festa, convide todos os seus amigos, vá no melhor maquiador, encha de flores e boa música “..e bibidibobidiboo : Gire as saias do seu vestido na pista de dança de olhos bem fechados , vai quase ser real. E na volta da lua de mel, que susto! Existe um negócio chamado conta de açougue , o namorado apaixonado é meio bagunceiro , tem que arrumar a cama  e nada disso parece assim tão encantador, depois que a noiva vira abóbora e se torna esposa.( Abóbora mesmo, pois na lua de mel  a gente engorda- tudo que tinha emagrecido antes de casar.)
 Essa tal lenda do príncipe encantado acaba com o mercado masculino já que ocupa um ideal de impossível competição. Não dá para comparar um marido que vem com mil defeitos (assim como as mulheres) com o príncipe encantado tão sonhado e  propagado há gerações nos contos de fada.
Mas ninguém contou também que o dia a dia tinha lá seus encantos , escondidos no meio da rotina , de uma dupla que opta por tentar se aventurar no mundo numa parceria , abandonando um universo que anteriormente era  confortável. É preciso muita coragem para sair do reino conhecido e começar uma vida nova. E que há  também algo de mágico no aconchego de voltar para a casa e ter alguém ali que te desafia e convoca a buscar amor todo dia , dentro de esconderijos internos , para suportar a tal da convivência.
O excesso de romance por vezes acinzenta a realidade. Faz com que a gente espere muito do que vem de fora e estrague o que tem, só por que  não é assim tão mágico. Mas é de verdade. Anos  de lágrimas podem ser economizados se essa figura encantada deixar de ser tão importante, tão definidora e puder ser simplesmente uma pessoa, que assim como a gente está tentando acertar . E não é eterna . Não existe o para sempre. Para sempre é muito tempo. Ainda bem.
Talvez o conto de fadas do futuro termine com : Felizes por enquanto. Tirando esse peso da eternidade nos aliviamos e de brinde valorizamos o hoje, se não é eterno preciso aproveitar, cuidar - E principalmente : Sobrevivo sem .Embora essa última parte a gente esqueça quando apaixonado. E talvez precisemos disso para amar... Afinal, somos reféns do romance e dos clichês , todas as cartas de amor são  ridículas mesmo . Sem elas a vida perderia o pó de pirilimpimpim. Freud define o sonho como um processo vital e necessário para que suportemos estar acordados. Isto é , suportamos á realidade pois dela nos retiramos quando sonhamos. Sem a ilusão o mundo gira numa constante repetição, fria e acinzentada.
Assim como Don Quixote precisa de Sancho Pança para fincar os pés no chão , a vida real precisa do romance e da ilusão. Sem esses temperos tudo fica  morno , sem sabor.  De fato: Não há um final feliz no fim do conto de fadas da vida, mas pode haver bons momentos durante o caminho das pedras amarelas, bem ali ,  somewhere over the raimbow  , é só não nos esquecermos fechar os olhos de vez em quando e sonhar.







Helena Cunha Di Ciero é psicanalista , membro filiado da Sociedade brasileira de Psicanálise de São Paulo .E dedica esse texto á sua melhor amiga Carol, que nunca comeu papel, não acredita em duendes, sinais do universo , me chama de Don Quixote mas  fica muito irritada quando deixo de ser pisciana e tento ser racional. Sancho Pança, obrigada pelo esforço, reconheço que dou trabalho