quinta-feira, 6 de junho de 2013

despedida

Está fazendo um ano, pai.
Aconteceram tantas coisas que eu quis te contar.
Trabalhei muito, escrevi. Atendi e vi muitos pacientes se desenvolverem. Fiquei contente por vê-los melhor, como queria poder ter te contado. Ficou de herança esse amor á psicanálise. E agora que você está morto, atender é uma questão de  honra. Na verdade eu voltei a atender dois dias depois que você morreu. Me sentia na obrigação de perpetuar seu esforço. Você que atendia logo depois da sessão de quimioterapia. E que atendeu até seu último dia, mesmo depois que o médico disse que você teria três semanas de vida. Não tive nem uma semana, você durou mais três dias depois desse anúncio do médico.
E nesses três dias convivemos normalmente. Até brigamos no domingo. E rapidamente fizemos as pazes , como sempre. Era para não perder o hábito que você brigou comigo naquele dia, né?
Eu adorei que no nosso último dia a gente fez as pazes. E que comemos lasagna . E que te pus na cama e te disse eu te amo antes de dormir. Não sem antes colocar meias nas suas mãos , para aquecê-las pois estavam muito magrinhas e frias.
Você estava tão pequenininho. E eu te coloquei na cama. Te disse eu te amo, você logo adormeceu. Te disse isso tantas vezes , tantas quanto te dizia bom dia, acho que nem percebi que era a última. Que sorte a minha , você não morreu com essa dúvida.
Nosso consultório está mais colorido. Menos  masculino.
Minha mãe está bem. Estamos próximas, cuidando uma da outra.
Viajei, dei risada, chorei . Minhas amigas continuam sendo meu alicerce, nada mudou.
O que mudou foi a falta do seu sorriso, do seu abraço, dos seus conselhos, da sua voz. Dia após dia. Um dia, tive aula com um professor que tinha a canela igual a sua. Me achei uma boba quando comecei a pensar que se eu fechasse os olhos bem rapidinho, poderia achar que é você. A chatice da morte é que você se vê em busca de pequenas lembranças. Fiquei toda contente por ver uma canela igual a sua.
E cada vez que sonhei com você , acordei feliz, com mais coragem . Acabo pedindo isso toda noite antes de dormir, ás vezes  você me ouve.
Outro dia tive um sonho engraçado : Você tinha revivido e eu te dizia 'Depois de tudo o que eu passei, você volta . Não vou conseguir te enterrar de novo."
E acho que não ia mesmo. Só consegui pois aquela cena não tinha nada de real. Mas era. Assim como estar sem você na minha vida não tem nada de real. Mas é minha vida agora , não tenho alternativa.
Só sobreviver. Paciência.
Mas faço o feliz , pois fui sua filha. E passava por tudo de novo para ter um pai como você. Tudinho.
Acho que queria ter te mostrado como eu fui corajosa esse ano todo.
Do jeitinho que você me ensinou.