NO HAY
BANDA
O silêncio sempre é um palco para uma série de experiências. Vem antes do
primeiro beijo, ou quando encontramos a pessoa amada .Pode ser a festa que for,
o trânsito, o caos, basta olhar para aquele alguém e tudo se aquieta -ao fundo-
a gente só ouve a batida frenética do coração. Pronto. Mãos ao alto, estamos
reféns. O mundo se cala para conceber aquela história que vai se iniciar.
Talvez seja essa a impressão que dê quando estamos diante de uma tempestade ,
que mudará para sempre nossa vida.
O silêncio é tanto o começo , como
o fim de tudo. Mas ele comunica sempre .
Ao meu ver ele caminha junto com a existência humana . O silêncio da sala de
parto antes de um filho nascer, é cortado por um grito de amor que se instala em nosso
peito, nomeando aquele alguém dentro da gente eternamente.
Tem o silêncio do segredo, do não dito, aquilo que paira pelo ar e que de alguma forma se impõe e guia secretamente
sombreando a história de alguém. Este aprisiona de forma constante. São aqueles segredos familiares que sempre
estão presentes, mesmo nunca tendo sido revelados .
O silêncio pode indicar tanto um excesso de intimidade- estar só na
presença do outro com tranquilidade- aqueles que estão tão a vontade a ponto de
não precisar usar das palavras como forma de entretenimento; ou escancarar sua falta: Aqueles casais que nunca
desejamos nos tornar em restaurantes, indiferentes a presença um do outro.
Tem também a calada da noite , na
qual somos visitados por nossos medos, dúvidas e ansiedades. Existe um lugar no meu silêncio
onde tudo pode acontecer, minha fantasia.
E tem também O silêncio que
fica depois da morte de alguém. Como
experiências tão antagônicas
podem ser tão semelhantes e ter em sua essência o mesmo barulho?
Depois que meu pai morreu, ele virou silêncio. E os objetos que
ficaram gritam alto o nome dele quando
os encontro. E hoje eles são meu pai , já que ele não mais diz nada.
Enquanto ele existia eram apenas acessórios . Uma agenda preta , um
óculos, luvas . Hoje são quem me conta a
história do meu grande amigo perdido.
Olho para eles , resignada , como quem olha para o que sobrou de alguém
que foi tão especial, esperando uma migalha daquela existência que era tão
vital para mim. Eles me respondem em sua imobilidade e curiosamente, eu o escuto falar novamente .
Dentro de mim, a voz dele ecoa dia após dia. Lá eu o encontro e conversamos outra vez. São as lembranças que dançam em minha mente quando estou só, quieta, antes
de dormir. Ou quando estou num impasse, diante de uma escolha , dou um passo
para trás e ouço-o falar . Respeito essa voz, que agora mora em mim, na minha
quietude. O único lugar em que ele continua vivo e paradoxalmente: onde é
imortal, pois vive comigo .É minha herança preciosa, com a qual dialogarei
enquanto eu existir.
Engraçado isso da vida. As pessoas não precisam ser eternas para
manter-se dentro de nós . Basta terem sido especiais para deixar um registro.
Em psicanálise a gente chama isso de objeto interiorizado. O trabalho do luto é
justamente esse de fazer com que a gente entenda que a pessoa perdida não mais
existe na realidade .
No filme ‘O escafandro e a
borboleta “ o personagem principal é vitima de um AVC e fica completamente paralisado, comunicando -se
apenas com os olhos . Compara seu corpo com um escafandro e suas memórias com borboletas
- com elas ele viaja para qualquer lugar.
Esse objeto interno são essas borboletas . Eternas, coloridas, livres. Devemos nos movimentar a despeito da música
que a vida canta.
Não é a toa que em espanhol , a
palavra luto é traduzida por duelo – uma vez que é uma luta aceitar que o mundo não mais abriga
aquele objeto de amor. A realidade fica calada , mas dentro de nós o barulho
pode ser infinito - basta saber se ouvir.
Saber se escutar, se respeitar, é
um dom raro, especialmente no mundo de hoje, onde tudo é tão barulhento, rápido
e rasteiro. Mas ás vezes, se a gente se dá chance esse contato se faz, puro e
genuíno. Nessa hora a gente escuta a intuição e aprende a respeitar esse
segredo que nosso inconsciente nos conta , que é tão poderoso e ao mesmo tempo
ás vezes pode passar desapercebido.
Esse seria um silêncio mais
contemplativo, que transita em nós com a
liberdade de colher imagens, sensações, para compor nossas idéias e percepções.
E quando acertamos com a nossa intuição
dá uma sensação de poder e liberdade
indescritível. Eu diria que é tipo mágica. Algo que nos aproxima da divindade.
Esse seria o mesmo caminho da fé.
A fé no sentido não de dogma, ou de
doutrina, mas numa crença interna que nos leva em contato com pensamentos de
uma ordem espiritual , sensação rara de
estar em contato com universo como um todo.- É nesse lugar que se encontra a
paz. Já dizia Gilberto Gil : Se eu quiser
falar com Deus, tenho que ficar sós,
tenho que apagar a luz, tenho que calar a voz, (...)ter a alma e o corpo nus .
E como não falar de como meu silêncio
impacta o outro? Marina Abramovich na instalação The Artist is Present, fica dias calada
sentada e se oferece ao encontro de estranhos. Nada é dito. Quem chega e a encara tem diversas reações:
chorar, gritar , tentar fazê-la rir , contam suas histórias... Encontram-se
consigo a partir daquele ser, imóvel que
os encara de frente. E assim ,
sentindo-se contemplados por um olhar forte e silenciosamente marcante, tem
reações espontâneas.
Basta um olhar contemplativo para que a gente se sinta existente
. Um
olhar puro, calmo, que recebe e aconchega . Esse também é o papel do
analista , quando recebe a história de alguém em seu consultório. Os dois nunca
sabem o que está por vir .
A surpresa só pode vir do silêncio.
Assim como a tempestade, a saudade, o
amor, a vida , a morte e a paz.
Helena Cunha Di Ciero é psicanalista – membro filiado
da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo-mãe do Francisco e está
tentando acolher dentro de si um silêncio que vai durar para sempre. E tem um
blog www.instantesdedentro.blogspot.com . Passa lá.