sexta-feira, 5 de abril de 2013

publicada na revista amarello- silêncio


NO HAY BANDA


O silêncio sempre é um palco para uma série de experiências. Vem antes do primeiro beijo, ou quando encontramos a pessoa amada .Pode ser a festa que for, o trânsito, o caos, basta olhar para aquele alguém e tudo se aquieta -ao fundo- a gente só ouve a batida frenética do coração. Pronto. Mãos ao alto, estamos reféns. O mundo se cala para conceber aquela história que vai se iniciar. Talvez seja essa a impressão que dê quando estamos diante de uma tempestade , que  mudará para sempre nossa vida.
O silêncio  é tanto o começo , como o fim de tudo. Mas ele comunica sempre  . Ao meu ver ele caminha junto com a existência humana . O silêncio da sala de parto antes de um filho nascer, é cortado  por um grito de amor que se instala em nosso peito, nomeando aquele alguém dentro da gente eternamente.
Tem o silêncio do segredo, do não dito, aquilo que paira  pelo ar e que de alguma forma se impõe e guia  secretamente  sombreando  a história de alguém.  Este aprisiona de forma constante.  São aqueles segredos familiares que sempre estão presentes, mesmo nunca tendo sido revelados .
O silêncio pode indicar tanto um excesso de intimidade- estar só na presença do outro com tranquilidade- aqueles que estão tão a vontade a ponto de não precisar usar das palavras como forma de entretenimento; ou  escancarar sua falta: Aqueles casais que nunca desejamos nos tornar em restaurantes, indiferentes a presença um do outro.
Tem  também a calada da noite , na qual somos visitados por nossos medos, dúvidas e  ansiedades. Existe um lugar no meu silêncio onde tudo pode acontecer, minha fantasia.
E tem também O silêncio que  fica depois da morte de alguém. Como   experiências tão antagônicas podem ser tão semelhantes e ter em sua essência o mesmo barulho?
Depois que meu pai morreu, ele virou silêncio. E os objetos que ficaram  gritam alto o nome dele quando os encontro. E hoje eles são meu pai , já que ele não mais diz nada.
Enquanto ele existia eram apenas acessórios . Uma agenda preta , um óculos, luvas . Hoje são quem me conta a  história do meu grande amigo perdido.
Olho para eles , resignada , como quem olha para o que sobrou de alguém que foi tão especial, esperando uma migalha daquela existência que era tão vital para mim. Eles me respondem em sua imobilidade e curiosamente,  eu o escuto falar novamente .
Dentro de mim, a voz dele ecoa dia após dia. Lá eu o encontro  e conversamos outra vez.  São as lembranças que dançam  em minha mente quando estou só, quieta, antes de dormir. Ou quando estou num impasse, diante de uma escolha , dou um passo para trás e ouço-o falar . Respeito essa voz, que agora mora em mim, na minha quietude. O único lugar em que ele continua vivo e paradoxalmente: onde é imortal, pois vive comigo .É minha herança preciosa, com a qual dialogarei enquanto eu existir.
Engraçado isso da vida. As pessoas não precisam ser eternas para manter-se dentro de nós . Basta terem sido especiais para deixar um registro. Em psicanálise a gente chama isso de objeto interiorizado. O trabalho do luto é justamente esse de fazer com que a gente entenda que a pessoa perdida não mais existe na realidade .
No filme  ‘O escafandro e a borboleta “  o personagem principal   é vitima de um AVC  e fica completamente paralisado, comunicando -se apenas com os olhos . Compara seu corpo  com um escafandro e suas memórias com borboletas - com elas ele viaja para qualquer lugar.  Esse objeto interno são essas borboletas . Eternas, coloridas, livres.  Devemos nos movimentar a despeito da música que a vida canta.
 Não é a toa que em espanhol  ,  a palavra luto é traduzida por duelo – uma vez que é  uma luta aceitar que o mundo não mais abriga aquele objeto de amor. A realidade fica calada , mas dentro de nós o barulho pode ser infinito - basta saber se ouvir.
Saber se escutar, se respeitar,  é um dom raro, especialmente no mundo de hoje, onde tudo é tão barulhento, rápido e rasteiro. Mas ás vezes, se a gente se dá chance esse contato se faz, puro e genuíno. Nessa hora a gente escuta a intuição e aprende a respeitar esse segredo que nosso inconsciente nos conta , que é tão poderoso e ao mesmo tempo ás vezes pode passar desapercebido.
 Esse seria um silêncio mais contemplativo, que transita  em nós com a liberdade de colher imagens, sensações, para compor nossas idéias e percepções. E quando acertamos  com a nossa intuição dá uma sensação de poder e  liberdade indescritível. Eu diria que é tipo mágica. Algo que nos aproxima da divindade. Esse seria o mesmo caminho da fé.
  A fé no sentido não de dogma, ou de doutrina, mas numa crença interna que nos leva em contato com pensamentos de uma ordem  espiritual , sensação rara de estar em contato com universo como um todo.- É nesse lugar que se encontra a paz. Já dizia Gilberto Gil : Se eu quiser falar com Deus, tenho que ficar  sós, tenho que apagar a luz, tenho que calar a voz, (...)ter a alma e o corpo nus .
            E como não falar de como  meu silêncio  impacta o outro? Marina Abramovich na instalação  The Artist is Present, fica dias calada sentada e se oferece ao encontro de estranhos. Nada é dito. Quem  chega e a encara tem diversas reações: chorar, gritar , tentar fazê-la rir , contam suas histórias... Encontram-se consigo a partir daquele ser, imóvel  que  os  encara de frente. E assim , sentindo-se contemplados por um olhar forte e silenciosamente marcante, tem reações espontâneas.  
            Basta um olhar  contemplativo para que a gente se sinta existente .  Um  olhar puro, calmo, que recebe e aconchega . Esse também é o papel do analista , quando recebe a história de alguém em seu consultório. Os dois nunca sabem o que está por vir .
            A surpresa só pode vir do silêncio. Assim como a tempestade,  a saudade, o amor, a vida , a morte e a paz.







Helena Cunha Di Ciero é psicanalista – membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo-mãe do Francisco e está tentando acolher dentro de si um silêncio que vai durar para sempre. E tem um blog www.instantesdedentro.blogspot.com . Passa lá.